A CONFUSÃO EVANGÉLICA DIANTE DO ANTIGO TESTAMENTO
Luiz
Sayão
A igreja evangélica
brasileira é uma das mais dinâmicas e criativas do mundo. Por essa razão seu
crescimento tem sido extraordinário. Todavia, uma igreja jovem e efervescente
tem dificuldades de doutrinar e discipular seus novos membros. Essa é uma
realidade na igreja brasileira.
É notório que o uso do
Antigo Testamento na prática e na liturgia eclesiástica brasileira tem crescido
de maneira substancial. Principal no contexto de louvor e adoração a ênfase
vétero-testamentária é mais do que expressiva. E como percebeu Lutero, a
teologia de uma igreja está em seus hinos. Afinal, o que está acontecendo? Para
onde estamos indo?
Em primeiro lugar, é
preciso ressaltar que o Antigo Testamento representa um fascínio para o povo brasileiro.
É repleto de histórias concretas, circunscritas na vida real do povo, no
cotidiano de gente comum. É muito mais fácil emocionar-se com uma narrativa
como a de Jonas ou de Davi do que acompanhar o argumento de Paulo em vários
textos de Romanos.
Além disso, o povo
brasileiro tem pouca história e raízes muito recentes. O Antigo Testamento, com
a rica história do povo de Israel, traz uma espécie de identificação com o povo
de nosso país. Talvez isso explique porque tantos brasileiros evangélicos
queiram ou procurem ser mais judeus.
Em terceiro lugar,
devemos considerar a realidade de que a igreja evangélica brasileira quase não
tem símbolos ou expressão artística. A maioria dos símbolos cristãos históricos
(catedrais, cruzes, etc.) tem identificação católica na realidade nacional.
Assim, os evangélicos buscam símbolos para expressar sua fé, e acabam
geralmente escolhendo símbolos judaicos ou véterotestamentários (menorá,
estrela de Davi, e etc.). Este encontro brasileiro-judaico tem muitas facetas
positivas: Retomamos uma alegria comemorativa da fé, trazemos a verdade
espiritual para a realidade concreta, dificilmente teremos uma igreja
anti-semita, enxergamos necessidades sociais e políticas pela força do AT.
Todavia, também estamos andando em terreno perigoso e delicado. Algumas
considerações são importantes para que a igreja brasileira não perca o rumo por
problemas de ordem hermenêutica. Aqui vão algumas sugestões:
1. Nem todo texto
bíblico do AT pode ser visto como normativo - A descrição da vida de um servo de Deus do AT não é
padrão para nós sempre. Quando Abraão mente em Gênesis, a descrição do fato não
o torna uma norma. A poligamia de Salomão, a mentira das parteiras no Egito e o
adultério de Davi não podem servir de desculpas para os nossos pecados.
2. Não podemos cantar
todo e qualquer texto do AT - É
preciso observar quem está falando no texto bíblico. Sem observarmos quem fala
tiraremos conclusões enganosas. Isso é fundamental para se entender o livro de
Eclesiastes. No caso de Jó 1.9-10, por exemplo, temos registradas as palavras
de Satanás. Isto é fato até no caso do Novo Testamento (veja Jo 8.48).
3. Devemos Ensinar
que Muito da Teologia do AT é Ultrapassada - Jesus deixou claro que estava trazendo uma mensagem complementar e
superior em relação à antiga aliança. Se não entendermos isto, voltaremos ao
legalismo farisaico tão questionado por nosso Senhor. Textos como Números
15.32,36 revelam um exemplo daquilo que não tem mais valor na prática da nova
aliança. Todos os elementos cerimoniais da lei não podem mais fazer parte da
vida da igreja cristã, pois apontavam para a realidade superior, que se cumpre
em Cristo (Cl 2.16-18). Sábados, festas judaicas, dias sagrados, sacrifícios e
outros elementos cerimoniais não fazem parte da prática cristã
neotestamentária.
4. Antes de Pregar ou
Cantar um Texto do AT é Preciso Entendê-lo - Nem sempre é fácil entender um texto do Antigo Testamento. Muitos
textos precisam ser bem estudados, compreendidos em seu contexto e em sua
limitação circunstancial e teológica. Veja por exemplo o potencial destruidor
do mau uso de um texto como o Salmo 137.9. Se o intérprete não entender que o
texto fala da justiça retributiva divina dada aos babilônios imperialistas, as
crianças da igreja correrão sério perigo!
5. Devemos Ensinar
que Vingança e Guerra não são Valores Cristãos - Jesus ordenou que devemos amar até mesmo aqueles
que nos odeiam. A justiça imprecatória não faz parte da Teologia do NT. Há
vários salmos que dizem isso, mas tal realidade compreende-se no contexto do AT
e não pode ser praticada na igreja cristã. Não podemos cantar "persegui os
inimigos e os alcancei, persegui-os e os atravessei" (Sl 18.37.38), quando
o Senhor Jesus ordena que devemos perdoar e amar os nossos inimigos (Mt
5.44,45). Hoje já existe até gente “amaldiçoando” outros em nome de Jesus!
Teremos uma “violência cristã”?
6. Enfatizemos a
Verdade de que a Adoração do NT é Superior - O Novo Testamento nos ensina que a adoração legítima independe de
lugar, de monte, de cidade e de outros elementos materiais (Jo 4). Jesus insiste
em afirmar que Deus procura quem “o adore em Espírito e em verdade”. A tradição
evangélica sempre louvou a Deus por seus atos e atributos. Atualmente estamos
cada vez mais enfatizando “o monte santo”, “a cidade sagrada”, “a casa de
Deus”, “a sala do trono”. Nós somos o “templo de Deus”. Os elementos materiais
pouco importam na adoração genuína. É preciso retomar o caminho correto.
7. Devemos Ensinar
que Ser Judeu não Torna Ninguém Melhor do que os Outros - Alguns evangélicos entendem que “ser judeu” ou
“judaizado” os torna de alguma forma “espiritualmente melhor”. O rei Manassés,
Anás e Caifás eram judeus! Já há quem expulse demônios em hebraico! Em Cristo,
judeus e gentios são iguais perante Deus. Na verdade “não há judeu nem grego”
(Gl 3.28). A igreja cristã já pecou por seu anti-semitismo do passado. Será que
irá pecar agora por tornar-se judaizante? Devemos amar judeus e gentios de
igual modo. Além disso, podemos e devemos ser cristãos brasileiros. Não
precisamos nos tornar judeus para ter um melhor “pedigree” espiritual.
Enviado por Evandro
Queiroz
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